Vocação
Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Faz tempo que não leio nem ouço mais a palavra vocação. Aquela inclinação natural para alguma atividade. Você tem visto essa palavra ultimamente?
- Também não, mas lembrei-me dela ainda no domingo, quando fui visitar meu vizinho no hospital. No quarto, presenciei três cenas sobre vocação.
- É mesmo? Penso que um quarto de hospital, numa internação, seja um local em que a vocação se manifesta. Ou a sua falta. O que você acha?
- Penso como você. A primeira cena foi com a entrada da faxineira para verificar o banheiro. Era uma senhora que pediu licença para entrar, empregou um tom de voz doce e parecia satisfeita com o trabalho que executava.
- Entendo. Ela sabia que seu trabalho era importante, você não acha?
- Exatamente. A segunda cena deu-se com a entrada da enfermeira com a medicação para antes do almoço. Entrou alegre, animada, cumprimentou-me, pôs água no copo e deu a medicação ao meu vizinho com um belo sorriso.
- É isso! Vocação é fazer um pouco mais do que a obrigação profissional. Aquele que tem gosto no que faz, é um vocacionado. Mesmo em dias ruins, não projeta seu desânimo nem seu azedume sobre os outros.
- Parece que o prazer da pessoa vocacionada vem mesmo da tarefa que ela executa. É mais que saber fazer; é fazer com gosto; sentir-se bem agindo assim. Há como que uma doação na tarefa.
- Sinto assim também. O vocacionado doa uma parte de si naquilo que faz. Não faz por fazer ou por automatismo. E é fácil perceber a diferença, não?
- Muito fácil! Chama a atenção. A terceira cena veio quando a copeira trouxe o almoço. Meu vizinho, brincando, perguntou se era pastel de camarão e ela, sorridente, disse que era empadão de frango com queijo.
- Muito bom! Eu penso que uma pessoa vocacionada, aquela que gosta do que faz, consegue tornar o seu dia mais leve. Deve ter boa resiliência.
- Certamente. O problema é quando as escolhas profissionais são feitas em função da remuneração ou do status, e não em função dos gostos e das aptidões. É menos provável um vocacionado sofrer de burnout, penso eu...