Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Você deve se lembrar como eram os velórios quando tínhamos perto de 10 anos. A mobília na sala era afastada para acomodar o caixão com o defunto.
- Sim! O caixão forrado de palmas de Santa Rita que mais tarde foram substituídas por crisântemos que mantém o cheiro de velório até hoje. Chique era quando a família contratava uma ou duas carpideiras ou rezadeiras.
- Era a reza do terço de um lado e o choro, do outro. E assim ia noite adentro. E as crianças andavam para lá e para cá, até a saída para o enterro. No dia seguinte, a sala voltava a ser sala. Nós fomos dessas crianças.
- E hoje? Os pais poupam os filhos de irem a velórios. Ninguém morre; vira estrelinha e fica no céu. O pet não morre; vira outra estrelinha. Não se fala da morte de um ente querido com as crianças. Todos são poupados...
- É que tudo pode traumatizar a criança. Na nossa época, recebíamos um corretivo, uma cintada ou uma chinelada. Hoje, as crianças recebem um diagnóstico de algum profissional.
- Você se lembra que a gente apanhava das professoras se ficasse conversando ou se fizesse alguma malcriação? As reguadas na mão ou na cabeça não eram episódios isolados.
- E você se lembra das reações das nossas mães? Em casa tomávamos mais algumas. Hoje, as crianças são criadas numa redoma. Não basta lavar a maçã; ela tem de ser descascada. E nós comíamos frutas do pé. E sobrevivemos...
- O que me incomoda é essa cultura de não tocar na verdade, de não falar a verdade com as crianças. De poupar as crianças da verdade que pode doer.
- É que dá trabalho falar a verdade para uma criança, porque ela começa a perguntar. Quem tem paciência para sentar-se e conversar com os filhos? Não é falta de tempo; é falta de paciência para conversar. Ficar longe do celular.
- É a estupidez de achar que as crianças não têm idade para entenderem. Claro que entendem, se o assunto for comunicado aos poucos, de maneira simples. O adulto não quer parecer que não tem uma determinada resposta.
- Eu admiro pessoas que reconhecem não ter o perfil para terem filhos. E não os têm. Acho essa coerência um sinal de maturidade. E de verdade na vida...