Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.

- O irmão da minha vizinha faleceu ontem à noite. Finalmente o hospital concedeu-lhe essa paz. E aos familiares também.

- Você comentou que ele estava internado e passava dos 85 anos. Tinha plano de saúde, dos generosos?

- Não! Estava no hospital municipal da cidade dele. Chegaram a intubar o paciente, imagine. O organismo falindo e a equipe do hospital preocupada com os protocolos.

- Mas é só isso que interessa à área da saúde. Os sentimentos dos pacientes e dos familiares nem sequer são levados em consideração. O importante é fazer tudo segundo o que reza o protocolo para ninguém ser processado.

- Nós dois estamos nos aproximando do fim. Eu não quero morrer num leito de hospital. Eu quero morrer na minha cama, na minha casa. Só não quero sentir dor. Será que nós temos o direito de morrer como gostaríamos?

- Aqui, não! Nossas vontades serão ignoradas. Aqui não se pode optar por uma terapia paliativa ou por uma eutanásia assistida. Claro, influência das doutrinas religiosas que governam o país.

-  Por outro lado, permitir eutanásia assistida poderia servir de pretexto para assassinatos velados para traficar órgãos ou abocanhar heranças.

- Em todo cesto sempre haverá uma ou outra laranja podre, mas a má moeda não pode sempre expulsar a boa moeda. Acho que há comodismo excessivo.

- Concordo. Aqui reina o princípio da vaca.

- Princípio da vaca? Esse eu não conheço.

- Uma vaca estava infestada de carrapatos, mas havia preguiça e falta de vontade para eliminar os carrapatos da vaca. O que foi feito para livrarem-se dos carrapatos? Decidiram que o mais prudente seria matar a vaca.

- Entendi. Os infratores não são identificados nem exemplarmente punidos. Toda a população acaba sendo punida pelos erros de alguns. É a tal má moeda expulsando as boas.

- Exatamente. Esse senso de profunda injustiça faz as pessoas buscarem outras soluções. Para escapar da boca do lobo, acabam sendo atraídas para a boca do leão e muitos nem se dão conta disso.

- Verdade! A consideração pela vida está só nos discursos. Ai de nós...