Desconfiança
Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Nesse tempo de Olimpíada, estou tentando entender o porquê de não termos uma cultura de patrocínio, por meio de doações ou de heranças.
- Já pensei nisso. Há tantos multimilionários e bilionários no Brasil, mas não se lê uma linha sobre algum deles doando somas consideráveis para apoiar a ciência, a educação, os esportes, as artes. Como ocorre em outros países...
- A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul fez brotarem centros para doações de roupas, alimentos, produtos de limpeza e de dinheiro. Eu doei zero.
- Um desses centros foi aberto perto de casa. Meses depois, soube que tudo fora fraudado. As doações foram desviadas e vendidas. Eu doei zero também, porque não confio que a minha doação chegue a quem realmente precisa.
- Talvez esse mesmo sentimento exista nas mentes de banqueiros, industriais e artistas muito bem-sucedidos. A doação é recebida, registrada, mas não chega a quem deveria chegar. As somas acabam sendo desviadas.
- E não podemos esquecer que a impunidade impera na nossa cultura social. No Brasil, o crime compensa. Multas vultosas são aplicadas, mas raramente pagas. Sempre alguém dá um jeito de conseguir ser anistiado.
- Empresas fecham as portas e centenas de trabalhadores ficam sem receber e nada, absolutamente, nada é feito. E note que temos uma Justiça do Trabalho.
- O cidadão tem direitos, mas para tê-los na prática, precisa ter recursos para contratar excelentes advogados. A quem não tem, resta esperar.
- Eu já dei dinheiro para uma família pagar a mensalidade de um curso de inglês que não era barato. Descobri que só duas das 12 mensalidades foram para a escola. As demais, ficaram para a família, mas nada me disseram.
- Esse é o problema. Os desvios de recursos estão enraizados na nossa cultura. Hoje se diz que estão normalizados. Tornou-se normal desviar.
- E esses valores culturais atingem a sociedade como um todo e desestimulam a iniciativa privada a contribuir com patrocínios ou doações sem fins lucrativos. Doa-se quando há abatimento no imposto de renda, por exemplo.
- A cultura do “eu dou a minha palavra” esgotou-se e deu lugar à desconfiança.
René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 07/08/2024
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