Dois velhos conhecidos encontram-se e atualizam informações sobre a vida.
- Você me parece bem-disposto. Está com ótima aparência.
- Você acha mesmo? Eu me sinto assim. Bem, sabe?
- Você tem feito alguma atividade física? Caminhada?
- Caminhada. E faxina. Faxina é o que me tem deixado muito bem, eu diria.
- Finalmente! Deve ter levado dias para remover o pó só da sua sala.
- Nada! Não removi pó algum da sala. Removi o pó de mim mesmo.
- Como assim? Você fez alguma harmonização facial? Você me parece melhor.
- Não gasto dinheiro com isso. A harmonização ocorre quando eu tiro o pó.
- Mas do que você fala? Por que não ser direto? De que pó você fala?
- Não sei se você entenderia. Você é homem de pouca imaginação. Factual!
- Pronto! Já voltou com os ataques. Você não quer explicar isso para mim?
- Tirar o pó significa limpar-me dos meus medos, das angústias, dos pecados...
- Continue! Está interessante.
- Livrar-me do medo da rejeição, de contentar-me com migalhas de afeto...
- Estou ouvindo e pensando...
- Livrar-me dos dogmas, das crenças, de fazer a vontade dos outros...
- E o que mais?
- De pessoas interesseiras, oportunistas, aproveitadoras, hipócritas...
- E sobra alguém para você?
- Você não entendeu coisa alguma. Ao livrar-me disso tudo, eu apareço.
- Você aparece? Como? Sozinho?
- Não! Acompanhado de mim mesmo, podendo ser quem sou e como sou.
- E qual a graça disso tudo?
- Eu lhe disse que você não seria capaz de entender. Sua sintonia é outra.
- Você fala como se estivesse aprendendo a viver agora.
- Bingo! É exatamente isso! Viver é ser quem sou e como sou. Entende?
- Não! Mas não faz mal. O importante é você sentir-se bem e isso é visível.
- Sempre achei que a velhice seria a decadência, mas está sendo ascendência.
- No sentido de ascender aos céus? É isso?
- É. Ascender ao meu céu que sou eu mesmo. E fazendo faxina interna...