Dois velhos amigos reencontram-se para jogar conversa fora:
- Hoje terei de ir pela sexta ou sétima vez a uma agência do Santander.
- Não me diga que sua senha foi bloqueada novamente.
- Digo, sim. E digo que me sinto um idiota por ainda manter investimentos lá.
- E a alegação é sempre a mesma: é tudo para a sua segurança! Acertei?
- É o único discurso que podem ter, não? O gerente já está constrangido.
- Eu entendo que a cada dia os golpistas estão mais ousados e engenhosos.
- Isso é verdade, mas o sistema de controle precisa evoluir, ser inteligente.
- Essa é minha argumentação: eu ia fazer consulta de saldos. Só consulta.
- E você usou seu celular, claro.
- Acessei a conta pelo site, no meu desktop e, depois, tentei pelo meu celular.
- E, antes de qualquer coisa, viu que a senha fora bloqueada?
- Exatamente. O site manda-me desbloqueá-la pelo celular.
- Bem, isso já é uma solução. Não funcionou?
- O celular manda-me desbloqueá-la na agência física.
- Mas você levou o problema ao seu gerente ou ao seu assessor, não?
- Informei os dois imediatamente. Sabe qual foi a resposta?
- Posso imaginar. Mandaram-no dirigir-se a uma agência física?
- Sim, pela sexta ou sétima vez, e pelo mesmo motivo: senha bloqueada.
- Mas ninguém da gerência consegue desbloquear a senha?
- Não conseguem. As funções gerenciais foram esvaziadas. Tenho dó deles.
- Mas, não são gerentes para clientes Van Gogh ou Select?
- Sim, Select, mas foram transformados em figuras decorativas.
- Esse costuma ser o primeiro passo para cortes: esvaziar funções.
- Possivelmente. O atendimento por telefone na agência não existe mais.
- Mas, o que acontece quando você liga para o número da agência?
- Eu fui atendido por uma central no RJ e ninguém soube me ajudar.
- E você desistiu de passar pelo interrogatório robotizado, não?
- Exato. Depois de muita paciência, alguém manda você ir a uma agência.
- Mas, qual é a explicação para o bloqueio da senha?
- A explicação é falta de uso. Eu faço uma ou duas consultas mensais.
- Mas essa é a explicação mais esdrúxula que poderiam ter arrumado, não?
- E fazem verdadeiras acrobacias intelectuais para convencer você disso.
- E nem eles mesmos acreditam nos seus próprios argumentos, não?
- É claro que não. O gerente e o assessor sabem pensar por si mesmos.
- Deve ser horrível trabalhar em um lugar assim, não?
- Deve gerar uma dissonância cognitiva tremenda. E a agressão à saúde?
- Mas precisamos nos acostumar. Os atendimentos ficarão mais precários.
- Mas há opções bancárias um pouco mais evoluídas. Uma troca pode ser boa.