Conheci um homem em um momento de descontração.
Eu não sabia, mas andava carente de tudo:
de afeto, de cuidados e de alguma selvageria.
Bebemos, os dois, para além dos nossos limites do bom-senso.
Eu senti que ele me desejava e eu não tinha coisa alguma a perder.
Meus desejos andavam reprimidos e cada vez mais fortes.
Nossa primeira vez juntos proporcionou-me um prazer indescritível,
mas havia mais.
Ele tocou-me de alguma maneira:
eu fui cuidadoso com ele e o prazer foi de ambos.
Ele satisfez as minhas vontades mais secretas,
porque eram as suas também.
Nenhum de nós olhou para o outro como objeto.
Éramos os sujeitos das nossas ações e de nós mesmos.
Nossa despedida não foi fria.
Houve um segundo encontro.
Com ele, eu me sentia inteiramente livre para me expressar.
Já havia notado que o fazia com distinção, com respeito.
Nossa selvageria era pura. Ele claramente já me amava.
Nunca exigiu coisa alguma;
o que eu lhe oferecia era o que ele mais desejava.
Ele me acariciava com lascívia, com sensualidade, mas com devoção:
eu era-lhe importante!
Então, vi-me com um homem atraente, doce, puro e selvagem.
Vi-me com um homem que se derretia por mim.
Um toque de minha mão pelo seu corpo causava-lhe arrepios
que me imploravam para possuí-lo.
Ele conseguia de mim o que mulher alguma conseguira.
Ele sabia como prolongar o meu prazer e só me deixar explodir no limite.
Ele sabia como exaurir-me. E ele me amava. Ele me amava muito.
Foi com ele que eu comecei a sentir
o que é verdadeiramente ser importante para alguém.
O que era ser amado por alguém:
amor sem exigências, sem competições, sem reclamações.
Foi com ele que eu senti como a força do amor
renova e enche a vida de esperanças.
Então, dei-me conta de que eu era um homem casado.
Casado com uma mulher muito bonita, bem-sucedida e ótima companheira.
Havia tudo, menos selvageria e essa força renovadora do amor.
Minha vida de casado era uma linda caixa, estilosa, embrulhada com requinte
e decorada com um laço vistoso, brilhante, todo ornado, por cima.
O que havia na caixa?
Nada!
Minha vida de casado era um belíssimo pacote,
cheio de vazio.
Minha esposa era uma ótima companhia
com quem eu gostava de estar.
Ele, esse homem, era alguém
com quem eu queria estar; precisava estar.
Ele, esse homem, era alguém de quem
eu não conseguia mais ficar apartado.
O período mais tenebroso nas minhas reflexões enfim ocorreu.
Ocorreu quando suspeitei que pudesse estar
afetivamente envolvido com esse homem.
Logo eu, um homem hétero, grande conquistador de mulheres.
Todas as que eu decidira levar para a cama, foram abatidas.
Quantas eu decidira levar para o meu coração?
Talvez, nem mesmo a minha esposa.
Aquele homem me havia enfeitiçado.
Seu feitiço era dos fortes.
Ele seguia comigo nas selvagerias,
não competia, não reclamava, não exigia.
O que eu lhe proporcionava era exatamente o que ele buscava.
Ele me tratava bem. Muito bem; com afeto, com carinho, com zelo.
Claro, ele me amava.
Parece que desde o primeiro instante ele me amou.
Mas, e eu? Ele de há muito deixara de ser uma diversão.
Eu pensava nele, queria estar com ele.
Então, criei coragem e arrisquei: beijei-o na boca.
O primeiro contato dos meus lábios com sua barba foi repulsivo.
Ele não me deixou ir: afagou meus cabelos na nuca.
Ele correspondeu ao beijo com suavidade e desejo por mim.
Senti seu corpo arrepiar-se da ponta dos pés ao alto da cabeça.
Eu explodia de desejo por ele, e o beijo,
essa forma tão absurdamente íntima de contato,
trouxe-me a resposta de tudo.
Era ele!
Meus lábios estavam colados à boca do amor da minha vida.
Eu finalmente consegui admitir para mim que amava.
Amava um homem, mas não qualquer um.
Era ele!
Então, deu-se o paradoxo:
terminei a noite completamente exaurido fisicamente.
Exaurido e forte.
Fortíssimo para enfrentar tudo e todos.
Enfrentar olhares, gracejos, reprimendas.
Enfrentar decepções de qualquer um, inclusive dos de minha família.
A certeza do amor que eu sentia por ele
era tão verdadeira que não mais seria adiada.
Ele, Bello, meu Bellão, meu amorzão, é o amor da minha vida!
Ele, Bello, meu Bellão, meu amorzão, foi habitar meu coração.
Ele, Bello, é o homem com quem me casarei.
Crônica dedicada a Bellarmino Infante Veiga
Ao homem com quem me tornei outro homem.
Um outro homem que ama um homem.
Por Bernardo de Bulhões