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René Henrique Götz Licht
Escritos de uma vida
Textos

O Amor encontra a Amizade: análise da obra, por Leoni Feingold – RS, 11/01/2023

 

Quando terminei a redação da minha análise do conto Verdade e certeza no Amor, encontrei a continuidade, O Amor encontra a Amizade, do mesmo autor RH Götz-Licht. Os dois contos podem ser encontrados no site Recanto das Letras ou no site do escritor [https://renegotzlicht.prosaeverso.net/], sob e-books, rolar a tela, procurar pelos títulos e baixá-los sem custo. Este conto dá sequência à narrativa de amor e amizade entre homens.

 

E descobri mais: esses contos compõem uma série que se inicia com o conto Confissões sobre o Cristianismo. Sobre esse conto pretendo escrever oportunamente, mas adianto que se trata de uma entrevista sobre questões polêmicas do cristianismo respondidas por um padre a um jornalista. No conto que analiso agora, temos quatro personagens centrais: os dois do conto Verdade e certeza no Amor e os dois do conto-entrevista Confissões sobre o Cristianismo.

 

Ao leitor que me acompanha, isso pode soar confuso: até agora há três contos com enredos próprios e autônomos; podem ser lidos em qualquer ordem, sem prejuízo para o entendimento.  O autor, conhecedor do seu métier, recapitula o que é relevante à compreensão das narrativas. A leitura na sequência reaviva emoções experimentadas em páginas anteriores; é um recurso comum às obras seriais que são publicadas isoladamente.

 

Até agora temos dois contos com dois personagens centrais cada. Neste terceiro, a contar pelo título, somos levados a imaginar que dois personagens respondem pela dimensão do amor e dois pela da amizade, e que os quatro se encontram como está no título.

 

Aqui revela-se a engenhosidade do autor em reunir com nexo, esses quatro personagens e envolvê-los numa narrativa lógica e convincente, mantendo o protagonismo de cada um deles; nenhum fica esmaecido ao longo da narrativa do conto. Um caso interessante de sinergia em que dois mais dois produzirá mais do que quatro. Vale conferir!

 

Dois desses quatro homens são retratados como sendo de “beleza estonteante” e, por isso mesmo, são alvos constantes de assédio. Em meio a esse clima, o autor retoma a diferença entre desejo e amor, desenvolve o conceito de amor maduro e propõe respostas como em “se você não quer abraçar o capeta, não caminhe pelas bordas do fosso que leva ao inferno” e cita Mae West: “nunca vá para a cama com um perfeito estranho, a menos que esse estranho seja perfeito!” e trabalha essas frases argumentando que no amor maduro há verdade e que essa verdade traz certeza. Se há certeza, os personagens são os perfeitos um para o outro e nada mais há de estranho entre eles.

 

Como no conto anteriormente analisado, aqui o autor também faz inserções para abrandar o peso das emoções. Uma dessas inserções é uma crônica deliciosa intitulada Os feijões da bolsa do padre, disponível no site do escritor. O texto encontra um encaixe simplesmente perfeito no desenvolvimento da narrativa, além de emprestar-lhe uma pitada de humor no deserto.

 

O autor também exibe as habilidades culinárias de seus personagens quando preparam pratos simples, apropriados ao tempo da narrativa: gravatinhas com ervilhas ao molho branco e uma substanciosa canja de coxa e sobrecoxa, com cenoura e salsão. Com um pouco de imaginação sente-se o cheirinho da noz moscada no molho da massa e o da canja que cura.

Esse conto está longe de ser açucarado, mas o autor mantem-se fiel ao seu propósito de fugir do clichê dos dramalhões e da condenação eterna dos gays ao fogo da infelicidade. Seus personagens esforçam-se para superar traumas de toda a sorte e um dos valores da obra está nos caminhos que escolhem para o seu fortalecimento de ego.

 

O padre do primeiro conto agora é apresentado como ex-padre e continua sua saga contando com o apoio do jornalista. O autor apresenta um desenvolvimento pormenorizado sobre como se dá essa mudança – de padre para ex-padre -, os conflitos internos e externos, a falta de sentido para a vida ministerial, as incongruências doutrinárias irreconciliáveis e principalmente a enorme hipocrisia que reina na Igreja. Vale a leitura de cada linha para acompanhar como o autor narra desde a desconstrução do personagem clerical até a construção do novo homem civil.

 

A solução que o autor encontrou para inicialmente aproximar os quatro personagens centrais é engenhosa, sobretudo nos desdobramentos que permitem os personagens escolher se prosseguem nos contatos e evoluem para uma relação de amizade. Nessa passagem, a sinergia mostra sua força: dois personagens deixam-se encantar por outros dois, apenas pela verdade contagiante que parece emanar deles. Aqui, mais uma inserção de base psicanalítica: amor e afeto são sentimentos que não podem ser deixados ao controle do piloto automático.

 

Outra aula de base psicanalítica, eu diria, está no modo como o autor faz um personagem socorrer o outro que está em apuros internos: pela presença afetuosa e apoiadora, ou pela presença silenciosa, não invasiva, para que o outro possa encontrar-se no seu tempo, a seu modo. Deixar alguém à vontade para macerar seus caldos, sem pressionar, nem se afastar, parece-me uma sugestão apropriada para os dias que correm.

 

Há uma seção no conto, lá pela metade da narrativa, em que os personagens mostram a importância de celebrar pequenas vitórias nas lutas enfrentadas no dia a dia, e como é possível caminhar de modo ereto após ter-se desvencilhado das muletas que representam a fé para viver quem se é, e não mais quem as instituições querem que seja. De novo, para abrandar o mal-estar dessas revelações, o autor mostra o lado bem-humorado dos personagens até para rir de si mesmo; bem ao estilo do “rir é o melhor remédio”.

 

Neste conto, o autor mantém a fórmula de descrever cenas idílicas em que homens se abraçam, se beijam e manifestam sensualidade e erotismo, sem jamais tangenciar o vulgar. Nesses encontros homoafetivos há leveza, há pureza, há um envolvimento para muito além do carnal, típico de quem tem o parceiro em profundo apreço, respeito e admiração como ser humano.

 

É fascinante constatar como o autor substitui ciúme e inveja por admiração: admirar o parceiro e sentir-se admirado pelo parceiro também são sentimentos um tanto raros nos dias que correm. Há, aqui, nesses dois contos até agora analisados, uma nítida intenção do autor de quebrar estereótipos em que homens gays são retratados como seres superficiais, ciumentos, inseguros, dramáticos, barulhentos, insaciáveis e voltados predominantemente à dimensão do corpo e do prazer. Não é, certamente, literatura que vá atrair público para ser comercialmente cobiçada.

 

Os grandes valores da vida, aqueles que distinguem as pessoas, raramente convertem-se em bestsellers. Se cada um só dá o que tem, cada um só metaboliza o que sua mente e seu coração lhes permite. Alguns são um pouco mais privilegiados do que outros para o amor e a amizade.

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 17/01/2023
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