Verdade e certeza no Amor: análise da obra, por Leoni Feingold – RS, 06/01/2023
Foi no site Recanto das Letras que descobri o conto Verdade e certeza no Amor, escrito por René Henrique Götz Licht que assina RH Götz-Licht. O conto também pode ser encontrado no site do escritor [https://renegotzlicht.prosaeverso.net/], sob e-books, rolar a tela, procurar pelo título e baixá-lo sem custo.
Ao ler esse conto na forma de e-book, ou e-livro, senti-me purificado das leituras maçantes que havia feito durante o período de festas de fim de ano. Na segunda página passei a saboreá-lo e em outras, várias, notei que tinha lágrimas nos olhos.
Já aviso aos leitores que se trata de uma história de amor entre dois homens, narrada em linguagem culta, com sugestões sensuais, eróticas, sem jamais ser vulgar. É uma obra literária refinada, de sólida estrutura textual e que encanta pela pureza e por não massacrar os leitores com dramas pesados, tão comuns na literatura e na filmografia que abordam questões de relacionamentos gays. O conto faz o leitor sentir-se feliz, do início ao fim!
A autor, doutor em Administração e em Psicologia e pós-doutor em Psicologia, tem formação linguística, musical e teológica, além de dedicar-se a hobbies como cultivo de plantas, canários e camarões ornamentais; eu conhecia camarões, e agora sei que há os camarões ornamentais.
O autor consegue mesclar conteúdos próprios do conto com informações laterais, contextualizadas na trama e apresentadas de maneira didática ao leitor. Destaco alguns dos aprendizados que fiz ao ler a obra: sobre camarões ornamentais Neocaridinas e Caridinas, sobre caramujos Neritina e Trombeta, sobre filtros Hang On e termostatos para aquários etc. Por curiosidade, pesquisei sobre os camarões e fiquei surpreso com a variedade de cores e padrões desses minúsculos crustáceos ornamentais.
O autor também brinda o leitor com ensinamentos de base psicanalítica como a sequência emocional, a metáfora mente versus smartphone, os efeitos da rejeição e da culpa na vida adulta e parábolas que contém lições de vida, além de apresentar a diferença sutil entre desejo e amor.
O autor também parece estar bem familiarizado com os meandros da análise de diversos investimentos financeiros, da educação financeira e da luta contra o desperdício de alimentos. Esses temas são alças de acesso a outros conhecimentos para o leitor respirar em meio ao envolvimento que vai tendo com o desenrolar da trama. Uma pequena engenhosidade do autor.
O conto começa com a exposição de uma tarefa que um dos personagens executa, e vai sendo habilmente desdobrado: o leitor sente que está sendo conduzido e vai ficando curioso. Nesse percurso inicial, há algumas trapalhadas, alguns momentos de humor e outros de decepção: essa mescla atiça a vontade de seguir adiante.
Duas narrativas, dessas paralelas que o autor introduz na obra, tocaram-me profundamente: (1) sobre o peso de uma rejeição que se instala na infância, coadjuvada pela vergonha dos pais, e (2) sobre a perda de um grande amor. São dois momentos pungentes, compensados pela capacidade de superação do personagem, num discurso contrastante de força e esperança.
O autor apresenta dois sonetos, Fujo de ser amado e Revelação. Além de terem papel importante na trama do conto, cada um em sua inserção, aparecem como obras isoladas no site do escritor. São sonetos com rima e conteúdo, o que aprecio bastante e escritos, acredito eu, especialmente para ocuparem seus lugares no conto.
Outros destaques inseridos na trama com refinamento brindam o leitor com as letras de dois clássicos: Et si tu n’existais pas e The man I love. A canção em francês, na voz de Joe Dassin e a em inglês, na voz de Billie Holiday, ambas disponíveis na internet. Recomendo ao leitor que interrompa a leitura e ouça essas duas canções sem desconectar-se da narrativa do texto.
Mais uma pausa que me vi obrigado a fazer foi para ouvir as outras menções do autor: algumas canções de Richard Strauss, nas vozes estupendas de Jessye Norman e Kathleen Battle. Tudo disponível no YouTube. Ao ouvir essas obras, entendi perfeitamente as razões do autor para apresentá-las naquele momento da trama.
Dá um pouco de trabalho interromper a leitura, mas como a fiz no meu notebook, acessar o Youtube não foi nada. E garanto ao leitor que vale pelo deleite das vozes, pela profundidade dos textos e pelas conexões com a trama do conto. O autor, RH Götz-Licht, propõe-nos viagens dentro de viagens.
As narrativas de dois momentos do conto fizeram-me parar e respirar: senti-me transportado ao sublime. O primeiro ocorre um pouco depois da introdução e descreve em emoções, como se dá o primeiro encontro dos dois personagens centrais. Eu vi-me na cena: as escadarias, os olhares, as reações. O segundo momento, habilmente engendrado por ações paralelas, descreve como se dá a cerimônia de entrega de um prêmio. De novo, vi-me lá, de olhos arregalados, com a respiração suspensa pela dignidade com que tudo é pormenorizadamente descrito.
Alguns leitores poderão argumentar que não existem pessoas como os dois personagens centrais. Eu seria menos radical: são raros, mas não impossível que existam. Muitos retratos de homens gays – em texto ou imagem – chegam-nos carregados de traços de personalidade que tangenciam o desviante doentio, o sujeito como peça defeituosa para si, para a família e ao grupo social. Ando farto do estereótipo do paria sofredor e esse conto é um bálsamo para essa chaga.
O discurso dos personagens centrais é costurado a partir da maturidade de ego que lhes possibilita enxergar a diferença entre desejo e amor, e identificar e sentir o amor por sua carga elétrica de verdade. Como corolário, essa verdade confere aos dois personagens centrais uma certeza diante da qual só lhes resta calar e contemplar, como no mysterium tremendum et fascinans, de Rudolf Otto.
Se eu, como crítico literário, encontrasse-me em um momento amargo de vida eu provavelmente depreciaria esse conto rotulando-o como uma história adocicada e pouco realista. Como encontro-me em paz com meus demônios internos, deixo-me envolver por essa doçura que faz bem, principalmente nesses tempos tão turbulentos de ódio nacional e descrença no ser humano. Senti-me vivo e bem ao saborear essa linda história de amor entre dois homens dignos, honrados, corretos, decentes. Pessoas boas; pessoas puras. E gays!