Essa pergunta foi feita a um senhor de quase setenta anos, católico praticante durante a vida toda, mas que há pouco tempo descobriu-se agnóstico deísta. Eis seus comentários:
““Não vejo como sendo preciso, mas pode ser reconfortante porque costuma ser prático! Crer em Deus é poder contar com um aliado para enfrentar medos, fracassos, decepções, incertezas, rejeições etc. Então eu digo, Deus me ajudará, e enquanto espero a ajuda o tempo passa e o problema vai ficando menor e menos pesado. Mais do que um aliado, Deus se torna essencial quando não queremos tomar uma decisão e, sem querer, transferimos essa responsabilidade para ele. Está, agora, nas mãos de Deus e minha aflição, por ora, está terceirizada. Ele irá agir ...
Crer em Deus também é logicamente conveniente: se não houver um Deus, ninguém se ofende e nada muda; agora, se houver um Deus, aquele que diz crer em Deus não poderá ser acusado muito menos punido por tê-lo negado. Crer em Deus é equivale a apostar no certo.
Crer em Deus também pode ser um artifício pedagógico quando falta paciência, argumentação ou os dois: “Deus sabe do que você fez” ou “Deus castiga, viu!”, ou ainda, “A justiça dos homens é falha, mas a de Deus não”. Crer em Deus pode ser útil para manter vivo um sentimento de vingança que não está, no momento, ao alcance de ser realizado, mas que proporcionará paz no dia em que Deus exercer sua justiça implacável.
Crer em Deus também parece ser útil para sobreviver às perturbações da vida e poder seguir em frente. É reconfortante saber que posso “Deixar tudo nas mãos de Deus” ou lutar para aceitar uma grande frustração porque “Esta é a vontade de Deus”. Dizer para mim mesmo, diante de uma grande perda, “Deus deu; Deus tirou” ou “Agora está em paz; acabou-se o sofrimento; foi para junto do Pai”. Se não fosse pela crença em Deus tudo isso ficaria nas nossas costas.
Também temos que considerar as variantes no emprego da palavra Deus: “Deus me livre!”, “Só por Deus!”, “Meu Deus!” (essa é versátil, pois pode ir do total espanto até o êxtase arrebatador), “Ai meu Deus!”, “Glória a Deus!” etc. Contudo, um dos dez mandamentos proíbe o uso indiscriminado do nome de Deus, mas isso é outra história ...
E não podemos nos esquecer de que fazemos questão de lembrar Deus de suas obrigações: “Deus, abençoe minha vida!”, “Deus, cuide de mim e da minha família!”, “Deus, alimente os famintos!”, “Deus, olhe pelo nosso planeta!”, “Deus, interrompa essa guerra!”, “Deus, cure os enfermos!” etc. O que seria de Deus, não fossem nossas cobranças disfarçadas de lembranças.
E para mostrar que Deus é soberanamente justo e bom lança-se mão do mecanismo da reencarnação ou renascimento: a contabilidade celestial mostra que há mais débitos que créditos na ficha de certa alma, já agraciada com a oportunidade de poder reencarnar para saldar essas dívidas contraídas em existências anteriores. Essa alma, agora dotada de um corpo físico, está vagando pela miséria, sofre com doenças, está rodeada de desgraças, tudo como reação de ações de existências passadas das quais não tem a menor recordação.
E quando nada disso resolver alguma questão, resta ao subterfugio o mistério. Tudo é mistério! Enquanto isso “reze por mim” ... (amamos as terceirizações, não?).””